segunda-feira, 7 de junho de 2010

Pulso.

Você segura na mão, dá um nome, aquilo pulsa, pulsa, pulsa vigorosamente. Por tempos você acha que aquilo vai pulsar pra sempre, ágil, saudável, vivo.
Então os batimentos perdem velocidade, vão se arrastando um entre o outro, lentos, extremamente lentos. Sufocando-se em sua própria lentidão. Até que eles cessam. Param. Morrem.

O tempo passa.
Você caminha, bebe, fuma, olha. Não existe mais nada que pulse daquela forma, e nem irá existir.

E um dia tropeça.
Percebe que já tropeçou inúmeras vezes, mas só desta vez repara no que acabara de tropeçar. Era vivo. Pulsava.

E então segura na mão, dá um nome...
Até que um dia aquilo não morre mais.
Está pulsando, da maneira mais bela e viva possível.
Mas agora não pulsa em suas mãos.
Pulsa em você, e se um dia parar de pulsar, 'aquilo' não será o único a falecer.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Mamãe!

Mamãe me dá almoço na boquinha.
Mamãe recolhe minhas roupinhas do chão, lava, passa, e as põe na minha malinha quando preciso viajar com os amiguinhos.
Mamãe arruma minha caminha.
Mamãe faz meu lanchinho.
Mamãe me dá dinheirinho pra eu comprar meus cigarrinhos.
Mamãe paga meu cursinho.
Mamãe limpa toda a casinha, mesmo tendo trabalhado o dia todinho. Afinal, isso é serviço de mulherzinha.
Mamãe me deu um carrinho.
Mamãe me acha uma gracinha.

Mamãe fez de mim esse excelente merdinha.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Funciona mais ou menos assim...

Queremos falar algo.
Então logamos em uma ferramenta de comunicação qualquer, falamos qualquer coisa bonitinha nas entrelinhas, damos uma indiretinha aqui, outra acolá, e pronto. Desabafo feito.

E no que isso muda a vida de alguém? I don't know.

A comunicação em si é falha. Nos abre um leque diverso de (possibilidades errôneas de) interpretações.
Ainda defendo a clareza, a objetividade, o preto no branco, os pingos nos is.
Mas todos mentem. E ninguém quer ouvir a verdade.

Bem vindo à Torre de Babel!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Pobre menina...

Um belo dia disseram que ela tinha que ser assim.
Outro dia, disseram que ela tinha que ser assado.

Ela quis ser ela.

Pegou seus livros, seus discos, sua vontade e seu cérebro. Reuniu todos e decidiu: 'Serei apenas eu'.

Mas isso os afetava demais.
E ela era feliz assim.

Ah, Bukowski...

'(...) Então era isso que eles queriam: mentiras. Mentiras maravilhosas. Era disso que precisavam. As pessoas eram idiotas.(...)'

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Guia básico para se tornar um intelectual instantâneo

Ponha seu óclinhos, leia meia dúzia de livros (alternando, preferencialmente, entre história e filosofia), acredite veementemente que seu (e somente o seu!) gosto musical é perfeito, seja machista, ironize de forma (que você acha) engraçada, hostilize os outros, escolha alguém para ser chacotado insistentemente, seja blasé (mesmo não tendo a mínima idéia do significado do termo).

Parabéns, passando por todas essas fases, você está pronto para assumir o afável posto de pseudo-intelectual! Ocasionalmente, você poderá ser contemplado com os títulos de burro, ignorante, infantil, ou alguns outros termos. Mas isso tudo seria pequeno demais para atingir alguém tão grandioso quanto você, não?

Clap clap clap.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Funcionava...

E por isso dizia que na teoria funcionava.
Tudo parecia muito bonito no papel, nas músicas, na televisão.

Era só fazer de conta que era bom, seguir aquele antigo livro, chamar a todos de irmãos.
Pisando fora daquele lugar frio, com gente estranha vestida igual, falando alto e por vezes gritando, a coisa era outra. Afrouxava a gravata, pedia uma cerveja, acendia um cigarro. Bem longe dali, claro, pois algum irmão poderia ver. E os olhos não perdoavam, condenavam amargamente. Doía. Mas ele também condenava. E sentia a culpa.

Aquilo era estranho, porque a culpa que sentia cada vez mais o tentava a fazer aquilo que lhe dava a sensação de culpa. Um círculo, do qual ele não conseguia sair. Vez ou outra conseguia escapar, rompia a borda do círculo, respirava na parte de fora, e voltava. Se redimia, e voltava. A felicidade era a redenção. Obter a redenção o fazia sentir melhor, o fazia sentir livre e bom.

O mais peculiar de tudo é que ele fingia não saber, mas desde o início sentia que havia vida apenas fora do círculo.
E alguém um dia lhe disse que ele não pertencia àquele lugar. Ele era parte integrante, ele colaborava, era filho, era irmão, dava dinheiro, se privava. Ele tinha que se vestir daquela forma, doar aquele valor, dizer muitos nãos mesmo quando quando o sim sorria internamente para ele. Tinha que querer sempre mais, mas não podia aparentar isso. Tinha que amar a todos como irmãos, mas devia também selecionar quais seriam os tipos válidos de amor. Tinha que respeitar a todos, e apontar somente alguns. Ele sempre tinha que fazer algo. Sempre.

Ele só não tinha que viver. E talvez fosse tarde demais para perceber isso.